As Árvores do Meu Caminho – Poesia

“Mil desenhos loucos te tatuam.
Mil formas te formam, deformam e te fazem ser.
Abraço-te e sinto minhas formas fundirem-se com as tuas.
Sorvo o instante de nossa impossível união e retiro-me com meu corpo marcado, para sempre, pelo teu.

Se eu pudesse, subiria à mais alta de tuas ramadas, escolheria o mais morno dos teus galhos e lá faria um ninho para os meus desejos.
Depois, uma a uma, enfileirava as canções que o vento canta nas tuas folhas, juntava-lhes os risos dos pássaros e deixava-me sonhar apenas por um segundo. Se eu pudesse …
Teu corpo, com cheiro de terra, detém o meu passo.
O que terá feito aquela ramada crescer tão direita em direção à nascente e aquela outra descrever tantas e tão caprichosas curvas?
O que terá feito o teu tronco tão terno de tocar e macio de sentar?
Retomo devagar o passo, mas, um pouco adiante, paro e olho-te de novo; e o que me terá detido, me feito te tocar e … escrever estas coisas?

Teus mapas (maravilhosas imperfeições), marcados ao acaso em teu corpo, são caminhos por onde navegam as canoas da minha imaginação.
Se uns dias, ao passar indiferente, não os noto, não quer dizer que esteja longe de ti.
Quer dizer (terrível confissão!) que estou longe de mim mesmo.

O vento assobia em teus velhos galhos canções estranhas.
Ontem quase nada eras e hoje quase nada és. Entre raízes, a teus pés, sementes que te farão renascer em outros seres me lembram que minhas palavras, no papel, me farão também renascer, sempre que lidas.
Por um instante, imagino que “eternidade” seja apenas isso.

Os espinhos que te protegem não me deixam tocar-te. Olho-te e sinto as couraças espinhosas de que me revisto e que me “protegem”, afastando-me de tudo o que me rodeia.
Olho-te de novo e pergunto-me por quê.

Sinto como se fosse no meu, minha irmã, a ferida que fizeram no teu peito.
Logo mais, na calada da madrugada, voltarei. Sei que não serei capaz de sanar a tua dor, mas prometo que colherei alguns de teus frutos e os levarei para terras onde as únicas armas conhecidas sejam o dardejar dos raios de sol, pela manhã, e o ribombar de risos de crianças, ao entardecer.

Observo a harmonia com que o teu tronco sustém as ramagens.
Arranho-te ao de leve e cheiro a seiva das tuas entranhas.
Sinto-me inebriado.
Teu corpo desperta em mim sensualidades ignoradas.
Um desconhecido passa.
Sério, recuo alguns passos e examino-te com fingido ar catalogador.
Ele … terá reparado?
Retiro-me, despedindo-me de ti com um olhar de soslaio.”

Pedro Veludo

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